Não sou filósofa, mas apenas curiosa da Filosofia e como tal não podia deixar de prestar aqui a minha homenagem, nos 15 anos da sua morte, ao maior Pensador Português do século XX, também poeta no modo de viver.
E será intimista e pessoalíssima, esta homenagem, própria de quem gosta de preservar o rigor e a qualidade no que se faz.
Então (acho que estou ouvindo o Professor e copiando a sua fala) vou apenas contar da minha memória deste velho sábio, assim ao sabor da pena (que são teclas).
Lembro a voz na perfeição. E o cheiro. É. O cheiro. Todos os velhos têm cheiro, mas o Prof. Agostinho da Silva tinha um peculiar: algum mofo misturado com mijo de gato e pó de muitos livros. Já foi em 1988 que eu conheci esse cheiro, mas ainda o sinto.
Era então Ministro da Educação o Eng. Roberto Carneiro que teve a iniciativa de criar uma Comissão para a Promoção dos Direitos Humanos e Igualdade na Educação, cuja Presidente era a Drª Zita Magalhães, ex-Directora Regional da Educação do Norte e de que eu era um ilustre membro desconhecido (mas com muita honra). Tivémos então a ideia algo irreverente de convidar o Prof. Agostinho da Silva para proferir uma Conferência sobre o tema, na tomada de posse da dita Comissão, que se realizou na sede do Instituto de Defesa Nacional (quem conhece as Instituições percebe a questão da irreverência).
E assim fui ao Príncipe Real buscar o orador, que veio mesmo de pantufas e com o seu casaco um pouco puído, falando do gato, do Espírito Santo e do trânsito de Lisboa.
Depois dos discursos do Sr. Ministro, Da Presidente da Comissão e do prof. Jorge Miranda (que naquele tempo não andava nas bocas do mundo) tomou a palavra o homenageado. Muito pouca gente terá percebido, mas durante hora e meia o Professor Agostinho da Silva fez a mais completa desconstrução de tudo quanto pudessem ser "Comissões" governamentais para resolver este e qualquer outro tipo de problemas, assim como ele se assumiu ali, na margem, de toda a pompa e circunstância.
Como, ao fim da primeira página deixou de ler o texto que preparara, fui eu quem fez a transcrição do discurso, para publicação.
Aqui fica o início:
O primeiro direito do Homem é ser aquilo que é sem que as circunstâncias o levem a ser na maior parte das vezes aquilo que nunca pensou depois de ter nascido. Mas ao mesmo tempo que isto parece ser um direito primeiro, o direito mais elementar do homem, me parece que é simultaneamente o seu primeiro dever. E então estamos numa posição curiosa: a de concentrar num feito aquilo que muitas vezes nos aparece como oposto, o que nos leva, talvez, a pensar se muitas vezes nós nos embaraçamos com opiniões ortodoxas ou com opiniões heterodoxas, sem ver que talvez a grande coisa foi a de as juntar nalguma coisa tão estranha que, por ser tão estranha, toda a gente denomina de paradoxal.
in Educação e Direitos Humanos, Ministério da Educação, Dezembro de 1988
13 comentários:
Fiquei fascinado com o Professor Agostinho Silva.
Abraços.
Já há poucos como ele: a genuína manifestação do Ser sem perder tempo com aparências.
Parabéns pela tua importante homenagem a Agostinho da Silva!
Havias de ter gostado de lá estar hoje, havias de ter gostado de ouvir entre outros o Fernando Nobre, o Miguel Real e o António Braz Teixeira, falarem de Agostinho, havias de ter gostado da eloquência do Manuel Ferreira Patrício e do tom afável com que o Amândio Silva dele falou por terras do Brasil, havias de ter gostado como eu gostei de ver aqui Agostinho.
Beijo, Ângela.
José Carlos,
ainda bem que causei essa possibilidade. vale a pena conhecer, nem que seja um pouco apenas, o pensamento deste sábio do século XX (que viveu muito tempo no Brasil)
Ana Paula,
acho que é o teu optimismo que diz que há poucos como ele. eu dria que já não há nenhum, infelizmente.
Amigo PresF
OBRIGADA. Percebeste exactamente tudo o que aqui deixei. Sim. Havia de ter gostado.
Um beijo
:)desculpa o "i" que te roubei...PiresF
Preciso de fazer um pequeno esclarecimento, qd disse à Ana Paula que não havia mais ninguém como o Prof. Agostinho da Silva. Não esqueci, nem menosprezei Eduardo Lourenço. Mas este, como outros, têm uma marca ocidental/francófona que não consegue atingir a universalidade de Agostinho.
Em comentário ao teu esclarecimento diria que, e como escreveu o Fernando Dacosta, o século passado foi marcado por dois pensadores; na primeira metade o Fernando Pessoa e na Segunda o Agostinho da Silva.
Pois... curioso! Não tinha lido essa afirmação do Dacosta e à partida sinto alguma estranheza:)... Pessoa é tão Poeta, embora , como eu disse, Agostinho o tivesse sido também no viver. Por outro lado, há todo o Pessoa esotérico que eu conheço mal, daí a dificuldade em associar as duas figuras.
Mas, como imaginas, agradeço o comentário porque me põe a pensar nessa hipótese.
fundamentalmente
t e r t r i b o .
A da S teve um A que nem todos tem.
eu um S de vida e palavra igual.
pois...
conheço-lhe alguns cantos.
"paradoxal".....O Poeta que desdisse da filosofia, acrescentando-A
.
.
. beijo. A.
ben(e)dito o Homem
mais uma circunstancial homenagem...
desculpa ,Ângela ,mas ,lamentavel mente ,continuamos ,apenas ,a homenagear depois de mortos ... e de preferência tuteando com um copo na mão
.
um beijo
mas tens toda a razão, Gabriela!´
é lamentável que sejam só os mortos...
Gostei mesmo muito de ler esta homenagem.
Beijos ângela
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