sexta-feira, 3 de abril de 2009

Professor Agostinho da Silva


Agostinho da Silva, 1906 - 1994


Não sou filósofa, mas apenas curiosa da Filosofia e como tal não podia deixar de prestar aqui a minha homenagem, nos 15 anos da sua morte, ao maior Pensador Português do século XX, também poeta no modo de viver.
E será intimista e pessoalíssima, esta homenagem, própria de quem gosta de preservar o rigor e a qualidade no que se faz.
Então (acho que estou ouvindo o Professor e copiando a sua fala) vou apenas contar da minha memória deste velho sábio, assim ao sabor da pena (que são teclas).
Lembro a voz na perfeição. E o cheiro. É. O cheiro. Todos os velhos têm cheiro, mas o Prof. Agostinho da Silva tinha um peculiar: algum mofo misturado com mijo de gato e pó de muitos livros. Já foi em 1988 que eu conheci esse cheiro, mas ainda o sinto.
Era então Ministro da Educação o Eng. Roberto Carneiro que teve a iniciativa de criar uma Comissão para a Promoção dos Direitos Humanos e Igualdade na Educação, cuja Presidente era a Drª Zita Magalhães, ex-Directora Regional da Educação do Norte e de que eu era um ilustre membro desconhecido (mas com muita honra). Tivémos então a ideia algo irreverente de convidar o Prof. Agostinho da Silva para proferir uma Conferência sobre o tema, na tomada de posse da dita Comissão, que se realizou na sede do Instituto de Defesa Nacional (quem conhece as Instituições percebe a questão da irreverência).
E assim fui ao Príncipe Real buscar o orador, que veio mesmo de pantufas e com o seu casaco um pouco puído, falando do gato, do Espírito Santo e do trânsito de Lisboa.
Depois dos discursos do Sr. Ministro, Da Presidente da Comissão e do prof. Jorge Miranda (que naquele tempo não andava nas bocas do mundo) tomou a palavra o homenageado. Muito pouca gente terá percebido, mas durante hora e meia o Professor Agostinho da Silva fez a mais completa desconstrução de tudo quanto pudessem ser "Comissões" governamentais para resolver este e qualquer outro tipo de problemas, assim como ele se assumiu ali, na margem, de toda a pompa e circunstância.
Como, ao fim da primeira página deixou de ler o texto que preparara, fui eu quem fez a transcrição do discurso, para publicação.
Aqui fica o início:
O primeiro direito do Homem é ser aquilo que é sem que as circunstâncias o levem a ser na maior parte das vezes aquilo que nunca pensou depois de ter nascido. Mas ao mesmo tempo que isto parece ser um direito primeiro, o direito mais elementar do homem, me parece que é simultaneamente o seu primeiro dever. E então estamos numa posição curiosa: a de concentrar num feito aquilo que muitas vezes nos aparece como oposto, o que nos leva, talvez, a pensar se muitas vezes nós nos embaraçamos com opiniões ortodoxas ou com opiniões heterodoxas, sem ver que talvez a grande coisa foi a de as juntar nalguma coisa tão estranha que, por ser tão estranha, toda a gente denomina de paradoxal.


in Educação e Direitos Humanos, Ministério da Educação, Dezembro de 1988

13 comentários:

José Carlos Brandão disse...

Fiquei fascinado com o Professor Agostinho Silva.

Abraços.

Ana Paula Sena disse...

Já há poucos como ele: a genuína manifestação do Ser sem perder tempo com aparências.

Parabéns pela tua importante homenagem a Agostinho da Silva!

José Pires F. disse...

Havias de ter gostado de lá estar hoje, havias de ter gostado de ouvir entre outros o Fernando Nobre, o Miguel Real e o António Braz Teixeira, falarem de Agostinho, havias de ter gostado da eloquência do Manuel Ferreira Patrício e do tom afável com que o Amândio Silva dele falou por terras do Brasil, havias de ter gostado como eu gostei de ver aqui Agostinho.

Beijo, Ângela.

Unknown disse...

José Carlos,
ainda bem que causei essa possibilidade. vale a pena conhecer, nem que seja um pouco apenas, o pensamento deste sábio do século XX (que viveu muito tempo no Brasil)

Ana Paula,
acho que é o teu optimismo que diz que há poucos como ele. eu dria que já não há nenhum, infelizmente.

Amigo PresF

OBRIGADA. Percebeste exactamente tudo o que aqui deixei. Sim. Havia de ter gostado.
Um beijo

Unknown disse...

:)desculpa o "i" que te roubei...PiresF

Unknown disse...

Preciso de fazer um pequeno esclarecimento, qd disse à Ana Paula que não havia mais ninguém como o Prof. Agostinho da Silva. Não esqueci, nem menosprezei Eduardo Lourenço. Mas este, como outros, têm uma marca ocidental/francófona que não consegue atingir a universalidade de Agostinho.

José Pires F. disse...

Em comentário ao teu esclarecimento diria que, e como escreveu o Fernando Dacosta, o século passado foi marcado por dois pensadores; na primeira metade o Fernando Pessoa e na Segunda o Agostinho da Silva.

Unknown disse...

Pois... curioso! Não tinha lido essa afirmação do Dacosta e à partida sinto alguma estranheza:)... Pessoa é tão Poeta, embora , como eu disse, Agostinho o tivesse sido também no viver. Por outro lado, há todo o Pessoa esotérico que eu conheço mal, daí a dificuldade em associar as duas figuras.
Mas, como imaginas, agradeço o comentário porque me põe a pensar nessa hipótese.

observatory disse...

fundamentalmente


t e r t r i b o .


A da S teve um A que nem todos tem.

eu um S de vida e palavra igual.


pois...
conheço-lhe alguns cantos.

isabel mendes ferreira disse...

"paradoxal".....O Poeta que desdisse da filosofia, acrescentando-A
.
.
. beijo. A.

Gabriela Rocha Martins disse...

ben(e)dito o Homem

mais uma circunstancial homenagem...

desculpa ,Ângela ,mas ,lamentavel mente ,continuamos ,apenas ,a homenagear depois de mortos ... e de preferência tuteando com um copo na mão


.
um beijo

Unknown disse...

mas tens toda a razão, Gabriela!´

é lamentável que sejam só os mortos...

Susn F. disse...

Gostei mesmo muito de ler esta homenagem.

Beijos ângela

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