"Há no impulso da viagem um conselho erótico, mais do que uma curiosidade estudiosa"
Agustina Bessa-Luís, As Fúrias", p. 106
Não procuro nada.
Não tive a dita ou a desdita de nascer velha e olhar para a vida senhora do meu caminho. Por isso, em vez de partir do Porto para Lisboa, como algumas personagens de Agustina Bessa-Luís, em busca do prestígio, faço o percurso inverso. Regresso de Lisboa ao Porto, com um saco cheio de livros que só a mim servem, com o coração cheio de uma amizade que não tem nome e de presentes que também só a mim servem, com palavras apaixonadas que em mim ecoarão por muito tempo e que tentarei plantar e cuidar religiosamente até que dêem frutos.
Venho mais velha, portanto. Mais rica. Com menos dinheiro.
E muito mais feliz.
Disse Lídia Jorge, uma vez, que se sentia privilegiada por se ter cruzado com Carlos Paredes, descendo o Chiado. Eu sinto-me priveligiada por ter encontrado Lídia Jorge, subindo ou descendo a minha vida. Por ter conversado, ainda que por breves horas, com Agustina Bessa-Luís, numa tarde de sol.
E tenho ainda que dar graças a todos os deuses, quaisquer que sejam, por te ter sempre tão perto, sempre tão dentro, apesar da geografia nos ter colocado distantes.
Talvez agora, percorrido que foi mais de metade do meu caminho, eu comece a perceber o que vou fazer do nada que quero.
Basta-me morrer com o meu sorriso bem desenhado nos lábios.
(Lisboa/Porto, 28/29/10/09)