quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
(de) passagem
entre Orfeu e o quotidiano
há apenas uma nesga de rio
desenhado a nanquim. gaivotas
perdidas na cidade de granito,
gente travestida de felicidade
urbano depressiva, panfletos
rasgados de uma greve falida.
e há funâmbulos que atravessam
a fome, guitarras sufocadas de
nevoeiro, pontes entulhadas por
suicidas apressados.
entre Orfeu e o quotidiano
eu escolho uma ceia solitária
e brindo à literatura crucificada.
uma só taça sobre a mesa.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Natais
Fotos da net
as luzes mirraram os pinheiros também
ou então sou eu que tenho névoa
nos olhos e os poemas saem-me desajeitados
pindéricos de plástico tipo loja de chineses
natal em Tiananmen Sarajevo ou Dachau
natal em Guantanamo em África em Lisboa
Casal Ventoso Rua Escura debaixo de
cartões empilhados com cheiro a cobertores
que só existe na memória entorpecida
por uma garrafa de tinto martelado.
e no interior de casas aquecidas
há quem pose
de costas voltadas ou sorrisos amareladamente
caridosos como quem volta a distribuir maços de tabaco
a sossegar a consciência ou a vender a imagem
de um portugal dos pequeninos que tinha propriedades
estropiadas por um arsenal minúsculo mas eficaz
a pequenez ficou-nos tatuada a desvergonha
dos governantes também. agora só
falta saber até onde chega
o verbo
"vai-se andando".
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Ferida(s)
Frida Khalo
a fractura exposta do
poema gangrenou-me
a mão e o que restavade inocência
despenhou-se pela encosta
desta terra tão atávica
quanto florescente.
há dias em que fumo
para esquecer
e outros em que leio
para celebrar.
no entanto são sempre
os coágulos de sangue
as metástases do frio
que me entorpecem o caminho
na tentativa de derrubar
a lareira que nós acendemos.
a diferença é que agora já não
esperamos o verso dos deuses
apenas talhamos afincadamente
sílaba a sílaba
o gesto suave dos olhos
em direcção ao outro lado
do espelho.
sábado, 18 de dezembro de 2010
a voz do coração
Foto de Annie Leibovitz
entre mim e o meta
texto irrompe agora
a tua voz redondatexto irrompe agora
onde me encosto
de olhos fechados
à espera de ouvir
uma consoante afável
um assobio de primavera
ou apenas o sussurro da água.
entre mim e ti
irrompe agora
o poema por escrever.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
2 anos de babel
a todos os que aqui passaram, passam e possam vir a passar...
[é só a fingir (crise oblige), mas é do coração. a 16 de dezembro de 2009, alguém que admiro disse que "um ano no mesmo espaço, para mim, era muito tempo". era verdade, sim senhora. mas agora já vão dois e mais virão (enquanto as palavras me valerem a pena) porque chegou o tempo de eu ficar comigo. o blog segue dentro de momentos.]
sábado, 11 de dezembro de 2010
eu gustavia
Mathilde Monnier, em Gustavia
Lendo o texto de Gustavia, em Angeiras)
(para a Ana Luísa Amaral)
do corpo, da língua, da mulher que fala em gestos des
construídos étant donné que l'identité
n'est pas figée sur le sable
nem as pernas abraçadas ao tronco
do mar salgado intertextual
mente ocidental metalizada
comme quoi une femme
reconstruit l' espace
e a espécie nos fios que tecem
as malhas caídas em vidro
de montpellier ao porto.
e eu lembrada de marias
três vezes três noves fora
nada.
domingo, 5 de dezembro de 2010
memórias à solta
Paul Klee, Angelus Novus
atormentam-me memórias
assim aliteradas alteradas
perdidas dos seus caminhos.assim aliteradas alteradas
cães vadios gatos de telhado
sem zinco quente
emigrantes órfãos de língua
alheia como quando soldados
directamente lançados
de trás dos montes para as áfricas
a matarem pretos porque sim
ou veteranos sobrevivendo
escondidos para não
mostrarem as feridas
abertas da alma e da cabeça
e agora as gentes
com mais anos de vida
e menos de humana qualidade
incontinentes de palavras e de mijo
perdidas num mundo
que apenas concebe
a perfeição
da matéria purificada
(Sarah Kane à parte.)
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
gatos e ratos
a gata viu
a presa numa tela
mas com a pata
sentiu a frieza do
objecto. havia
portanto
alguma superfície
que a impedia
de realizar o desejo.
por isso contornou a
mesma tela transpondo
assim no seu saber
a distância que a separava
da presa. porém onde antes
havia imagem, agora apenas
fios e pó.
desceu o móvel
queirosianamente
desconsolado
e enroscou-se em frente
da lareira. (realidade
perigosamente intocável).
adormeceu enfim quentinha
a pensar nos ratos que
nunca caçou.
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