ou o meu percurso pela obra de Agustina Bessa-Luís
Ouvi eu, com estes ouvidos que o fogo há-de consumir, João Botelho dizer numa entrevista à RTP1, a propósito do seu filme “A Corte do Norte”, que não sabia que havia em Portugal uma escritora deste calibre.
Quanto a Eduardo Lourenço, na revista LER, de Janeiro de 2009, diz “Infelizmente a escrita constantemente paradoxal e surpreendente de Agustina ainda não encontrou, pela sua dificuldade, o eco que merece. Mas pode esperar.”
E a mim, resta-me, para já, fazer aqui o percurso que fiz desta autora cujo conhecimento me permite repetir e sublinhar a opinião de Eduardo Lourenço. Quando falo de um autor, só o faço com o conhecimento da sua obra completa ou, pelo menos, de mais de metade dela. Claro que não conheço ainda, infelizmente a obra completa de Agustina, mas confesso ser esse um dos meus objectivos de vida.
Contrariamente, talvez, à maioria das pessoas, não comecei pela Sibila, porque era ainda muito novata para lhe meter o dente, mas pelo primeiro livro que ela publicou, totalmente escrito depois do 25 de Abril: “A Crónica do Cruzado do OSB”. Verdezita ainda assim, apreciei a prosa, deixei-me envolver pelo paradoxo, senti que tinha qualquer coisa de muito especial nas mãos. Por isso fui então ler obras anteriores, entre as quais “A Sibila”, “Os Contos Impopulares”, “Os Indomáveis” e outros. Até que, as circunstâncias históricas me fizeram confundir alhos com bugalhos (o que acontece a muito boa gente) e decidi parar a leitura, zangada com o reaccionarismo provocador que não se inibiu de esconder. Precalços naturais no processo de amadurecimento do ser humano, penso eu.
A fechar o intervalo esteve também um facto histórico inesperado. Apesar da minha postura política à esquerda, a morte/assassinato do primeiro ministro Francisco Sá-Carneiro fez-me remexer as entranhas, pois apreciava o seu comportamento também rebelde e íntegro, com uma frontalidade que sempre foi rara nesta terra. E assim quando Agustina publicou “Os Meninos de Ouro” eu fiz as pazes e voltei a lê-la. Daí em diante só fazia paragens que tinham a ver com o desejo de mudança de registo, mas voltava sempre 2 ou 3 romances passados, com saudades daquele mundo tão particular. Até que, a partir da “Jóia de Família” passei a ler tudo à medida que ia saindo. Foram ainda sete, até “Às Metamorfoses”, último projecto realizado em conjunto com Graça de Morais que o ilustrou e que é uma história onde revivem e coexistem algumas das várias personagens femininas de toda a obra de Agustina.
Foi lançado a público em Dezembro de 2007, já sem a presença da autora, por doença e de então até agora o vazio que sinto só consigo preenchê-lo com a releitura sempre prazeirosa de livros conhecidos e a leitura daqueles que me faltam para conseguir o tal objectivo da obra completa.
Não é a mesma coisa, claro. Porque houve inevitavelmente uma evolução e os últimos romances encadeavam-se de tal modo uns nos outros, que a própria narradora afirmou no final de “A Quinta Essência”: “Quem quiser saber o que se segue, não tem senão que remeter-se às explicações da próxima narração.” – citando de Cão Xuequin no final de cada capítulo d’ O Sonho no Pavilhão Vermelho.
Resta-me ficar mergulhada no mundo desta Grande Senhora contadora de histórias e artesã da palavra. É infindável.
OBRIGADA, Agustina.