quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
(de) passagem
entre Orfeu e o quotidiano
há apenas uma nesga de rio
desenhado a nanquim. gaivotas
perdidas na cidade de granito,
gente travestida de felicidade
urbano depressiva, panfletos
rasgados de uma greve falida.
e há funâmbulos que atravessam
a fome, guitarras sufocadas de
nevoeiro, pontes entulhadas por
suicidas apressados.
entre Orfeu e o quotidiano
eu escolho uma ceia solitária
e brindo à literatura crucificada.
uma só taça sobre a mesa.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Natais
Fotos da net
as luzes mirraram os pinheiros também
ou então sou eu que tenho névoa
nos olhos e os poemas saem-me desajeitados
pindéricos de plástico tipo loja de chineses
natal em Tiananmen Sarajevo ou Dachau
natal em Guantanamo em África em Lisboa
Casal Ventoso Rua Escura debaixo de
cartões empilhados com cheiro a cobertores
que só existe na memória entorpecida
por uma garrafa de tinto martelado.
e no interior de casas aquecidas
há quem pose
de costas voltadas ou sorrisos amareladamente
caridosos como quem volta a distribuir maços de tabaco
a sossegar a consciência ou a vender a imagem
de um portugal dos pequeninos que tinha propriedades
estropiadas por um arsenal minúsculo mas eficaz
a pequenez ficou-nos tatuada a desvergonha
dos governantes também. agora só
falta saber até onde chega
o verbo
"vai-se andando".
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Ferida(s)
Frida Khalo
a fractura exposta do
poema gangrenou-me
a mão e o que restavade inocência
despenhou-se pela encosta
desta terra tão atávica
quanto florescente.
há dias em que fumo
para esquecer
e outros em que leio
para celebrar.
no entanto são sempre
os coágulos de sangue
as metástases do frio
que me entorpecem o caminho
na tentativa de derrubar
a lareira que nós acendemos.
a diferença é que agora já não
esperamos o verso dos deuses
apenas talhamos afincadamente
sílaba a sílaba
o gesto suave dos olhos
em direcção ao outro lado
do espelho.
sábado, 18 de dezembro de 2010
a voz do coração
Foto de Annie Leibovitz
entre mim e o meta
texto irrompe agora
a tua voz redondatexto irrompe agora
onde me encosto
de olhos fechados
à espera de ouvir
uma consoante afável
um assobio de primavera
ou apenas o sussurro da água.
entre mim e ti
irrompe agora
o poema por escrever.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
2 anos de babel
a todos os que aqui passaram, passam e possam vir a passar...
[é só a fingir (crise oblige), mas é do coração. a 16 de dezembro de 2009, alguém que admiro disse que "um ano no mesmo espaço, para mim, era muito tempo". era verdade, sim senhora. mas agora já vão dois e mais virão (enquanto as palavras me valerem a pena) porque chegou o tempo de eu ficar comigo. o blog segue dentro de momentos.]
sábado, 11 de dezembro de 2010
eu gustavia
Mathilde Monnier, em Gustavia
Lendo o texto de Gustavia, em Angeiras)
(para a Ana Luísa Amaral)
do corpo, da língua, da mulher que fala em gestos des
construídos étant donné que l'identité
n'est pas figée sur le sable
nem as pernas abraçadas ao tronco
do mar salgado intertextual
mente ocidental metalizada
comme quoi une femme
reconstruit l' espace
e a espécie nos fios que tecem
as malhas caídas em vidro
de montpellier ao porto.
e eu lembrada de marias
três vezes três noves fora
nada.
domingo, 5 de dezembro de 2010
memórias à solta
Paul Klee, Angelus Novus
atormentam-me memórias
assim aliteradas alteradas
perdidas dos seus caminhos.assim aliteradas alteradas
cães vadios gatos de telhado
sem zinco quente
emigrantes órfãos de língua
alheia como quando soldados
directamente lançados
de trás dos montes para as áfricas
a matarem pretos porque sim
ou veteranos sobrevivendo
escondidos para não
mostrarem as feridas
abertas da alma e da cabeça
e agora as gentes
com mais anos de vida
e menos de humana qualidade
incontinentes de palavras e de mijo
perdidas num mundo
que apenas concebe
a perfeição
da matéria purificada
(Sarah Kane à parte.)
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
gatos e ratos
a gata viu
a presa numa tela
mas com a pata
sentiu a frieza do
objecto. havia
portanto
alguma superfície
que a impedia
de realizar o desejo.
por isso contornou a
mesma tela transpondo
assim no seu saber
a distância que a separava
da presa. porém onde antes
havia imagem, agora apenas
fios e pó.
desceu o móvel
queirosianamente
desconsolado
e enroscou-se em frente
da lareira. (realidade
perigosamente intocável).
adormeceu enfim quentinha
a pensar nos ratos que
nunca caçou.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
vaso partido
Foto de Clementine Catton
pus-te um verso
à janela reguei-o
mas o gato atirou-o ao chão.
agora vais ter que varrer
os pedaços da metáfora
e deitá-los no palavrão.
domingo, 21 de novembro de 2010
a mão
tinha-se estilhaçado
o rosto durante
sete anos de alheamento
até que a lua desceu sobre a mão
e encontrou uma pele
ainda que levemente enrugada
seca de flores ou anémonas:
arrastou-a até à árvore
mais próxima
e deixou-a ali
agarrada a um tronco
que não tinha cintura.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
id
eu sou eu
não sei quem é
apenas afasta
todas as possibilidades
de enunciação
porque te recuso
objecto.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
subway
Não escrevo aqui.
Porque não consigo rasgar a puta da tela
Nem foder os pixéis
Nem triturar as teclas.
Sai tudo limpinho,
Sem cheiro nem rugas
Sem suor nem lágrimas:
Asséptico
Jeuniste
Comme il faut
Como quem saiu d’um SPA
Ou entrou num filme HD.
Eu não tenho chão aqui.
Escolhi a profundeza
Dos esgotos
Da cidade que me pariu.
sábado, 6 de novembro de 2010
às vezes...
Adeline Ferré
"Se não fosse a imposição do trabalho, muito raramente estaria com outras pessoas, e só em condições especiais. Cada um deveria partir para seu lado e canto, durante anos de solidão, ou seja, durante o tempo necessário de fazer outros tipos de conhecimento. É preciso ter outras relações. As relações entre os homens são de matéria plástica, opaca, violenta. O olho vê apenas o outro olho; o dente esbarra com outro dente."
Maria Gabriela Llansol, Um Arco Singular, Assírio&Alvim, 2010
... às vezes encontro-me assim com Gabriela, fora do tempo, longe no espaço. e tão próximas.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
auto-retrato
Egon Sciele, Auto-Retrato
cada dia
chegava mais cansada
e pousava os ossos
depois da carteira
em cima da mesa de verga.
bebia um whisky
fumava um charuto
e adormecia
estupidamente.
cada dia
pousava mais ossos
em cima da mesa de verga
e demorava menos tempo
a adormecer
cada vez mais estupidamente.
um dia os ossos
já não cabiam
em cima de mesa de verga
e espalharam-se pelo chão.
já não conseguiu recompô-los
e a estupidez instalou-se
definitivamente
na sua cabeça.
foi disso que morreu:
ataraktos.
domingo, 31 de outubro de 2010
o elogio do sorriso
é o sorriso maduro que demora
a surgir no rosto cansado
de quem passou a metade da vida
aquele sorriso de quem sabe
que a qualquer momento
poderá congelar
numa face gélida onde
o sangue já não circula
é o sorriso de quem sabe
que as palavras em demasia
provocam congestões
fatais ou diarreias intermináveis
é o sorriso de quem caminha devagar
contra a corrente do estrelato
pós-moderno defensor
da eterna juventude eterna.
é aquele sorriso tranquilo
que mostramos ao espelho
pela manhã no gesto salutar
de auto derrisão e nos salva
da mediana mediocridade deste tempo
tão cosmeticamente esfoliado.
sábado, 30 de outubro de 2010
carpe diem... dit-on
(para a ISABEL BARROS, com o carinho de sempre)
Nada. Ninguém. Nenhures.
Apenas um grito abortado, antes de lembrar que a vida não pode andar distraída. Ou sim. Porque o sorriso de uma criança é maior que o deserto, uma planta regada com afinco vale uma viagem à volta do mundo, o abraço apertado de um amigo é o berço perfeito de qualquer lágrima.
O processo de limpeza do texto dramático é o exemplo perfeito da joeira em que transformei os dias depois da curva que me esperava antes do rumo seguro para o fogo. Despojada/mente.
Caminho descalço. Nenhures.
Ninguém.
Nada.
in memoriam João Paulo Seara Cardoso
Não há palavras para dizer mais esta perda...........................................................................................................................................................................................
talvez Beckett soubesse dizê-las..........
sábado, 23 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
história de uma epifania
Era uma vez uma palavra que andava de boca em boca, de mão em mão, como se fosse essa a única forma de ganhar o pão nosso de cada dia. Ele eram poetas e amantes, homens e mulheres, cultos e ignorantes, adultos e crianças... não havia criatura neste mundo que não a usasse e dela abusasse com a ligeireza de um gole de água que serve para enganar a sede.
E a palavra cansada, mas submissa nada fazia, nada dizia que pusesse termo a tal desperdício. Resistiu ao tempo, a revoluções, resistiu a modas e a retóricas, resistiu até a concursos televisivos que a trocavam por milhões. Sempre a mesma: os mesmos grafemas, os mesmos fonemas, a mesma prosódia.
Um dia deu-se conta de que havia um homem, de sua profissão escrevinhador, que tinha deixado de a usar sob forma escrita ou falada, que a tinha lapidarmente rasurado do seu dicionário. Sentiu um calafrio, olhou-se ao espelho (coisa inaudita para uma palavra) e viu um amontoado de ossos, encavalitados uns nos outros, que nem sequer permitiam desvendar o esqueleto. À força de tanto ser repetida ela ficara vazia. Um monte de ruído apenas. Foi assim que percebeu a razão do escrevinhador que, embora continuasse escrevendo, definhava a olhos vistos e fazia um esforço desumano para arrastar a caneta pela folha de papel e continuar a contar histórias para leitores que nem sabia se existiam.
Então, a palavra, que quase já não o era, fez das tripas coração para chegar ao papel e exibir a sua última magia: escreveu-se sobre a folha, pela mão do escrevinhador que, já esquecido destas traições das palavras, se matou ali mesmo, cobrindo-a com o seu sangue para que ninguém viesse a descobrir o sentido de tal gesto.
O enterro de ambos foi marcado para o dia seguinte, à hora do sol poente. E toda a gente continuou alegremente a repetir a palavra que já não queria dizer nada.
domingo, 17 de outubro de 2010
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
baixa costura
Birul Sinari-Adi
Vergonhosamente
Esqueci-me de alinhavar
O poema em cima do manequimPor isso deixei uma metáfora
Completamente enviesada
Descaída sobre o peito
As anáforas descasadas
Umas das outras
Já não o eram
E a bainha da hipálage
Ficou uns centímetros abaixo
Do joelho.
Vou portanto descoser tudo
Deixar os alfinetes em cima da mesa
E atirar-me da janela.
Amanhã vem uma costureira nova.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
diálogos diversos 1
(Casal de quarentões, sexta-feira à noite, ao balcão sebento de napa, num bar periférico de uma cidade.)
Ele - Tem Facebook?
Ela - Não.
Ele - H5?
Ela - Não.
Ele - Msn?
Ela - Também não.
Ele - Estranho...
Ela - Estranho é você fazer-me esse questionário todo sem me conhecer de lado nenhum.
Ele - Justamente, o que eu queria era conhecê-la.
Ela- Antigamente perguntava-se as horas, pedia-se lume....
Ele - Não me diga que é saudosista!
Ela - Não. Apenas constato.
Ele - Então diga-me tem I Pod?
Ela- Não.
Ele - Telemóvel?
Ela - Infelizmente sim.
Ele - Quer dizer que preferia não ter.
Ela - Exactamente.
Ele - E também tem computador?
Ela - Também infelizmente. Mas só no trabalho.
Ele - Não tem em casa?
Ela - Claro que não.
Ele - Você não parece deste mundo!
Ela - Pode beliscar-me e verá que sou. Apenas não correspondo à sua visão "deste mundo". Gosto de coisas diferentes.
Ele - E fibra óptica?
Ela - Não tenho net, portanto não preciso. Certo?
Ele - E televisão?
Ela - Só uma coisita pequenina a preto e branco.
Ele- Não consigo imaginar a sua vida.
Ela - Ainda bem. Porque eu imagino a sua e acho uma sensaboria. Nem percebo o que está aqui a fazer...
Ele- Pois... houve uma avaria na minha zona e decidi vir beber um copo, para que o tempo não custe tanto a passar. E você... ah... com o se chama?
Ela - (Sorrindo) Vim comprar tabaco e aproveitei para matar a sede, também. Conceição.
Ele- Pedro. Prazer.
Ela - Coitado...
Ele - Como?... (Entre espantado e furioso)
Ela - Desculpe o meu humor... estava a pensar no D. Pedro, que diria ele... Bem, mas fiquei exausta com a conversa. Vou-me embora. Que o seu coração fique em paz. (Sorrindo maliciosa)
Ele - Fiquei com uma curiosidade.
Ela - Diga.
Ele - Disse que gostava de coisas diferentes. Posso saber o que faz nos tempos livres?
Ela - Tenho a minha colecção de bonecas e mudo-lhes a roupa todos os dias. Estou com pressa, que ainda me faltam 1383. Adeus. (Saindo airosa.)
Ele- Adeus. (Bebendo de um trago o whisky velho)
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
(d)os amigos
Alain Boccard
Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Hélder, Lugar, 1962
terça-feira, 28 de setembro de 2010
ouro sobre azul
desconheço o espírito
da linha recta assim como
a matéria do poema
e no entanto é de azul
que me alimento.
o ouro está no silêncio
da mão.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
os dias que faltam
caminho de olhos fechados
mãos vazias pés descalços
sem destino nem embaraço
sustentando a cada passo
a liberdade resgatada
em cada gesto
em cada dia
do resto
dos dias
contados.
domingo, 26 de setembro de 2010
QUE ESCADA DE JACOB?
(a meu Pai, que hoje faria 90 anos, pela mão de
Ana Luísa Amaral)
Na noite em que a lua foi pisada pela primeira vez,
ainda a preto e branco a sua imagem,
escafandros brancos, o refelexo do sol nas lentes baças,
a escada que descia, o pó sem gravidade que a bota levantou,
tão branco e mágico,
nessa magia de duas da manhã, hora local, daqui,
estavas comigo.
Comemos sopa às quatro da manhã,
e eu vejo ainda aquela sala, a mesa lá ao fundo,
o sofá grande, e eu de onze anos a sentir-me grande,
porque assim me fazias e falavas.
A lua a ser pisada: humana condição
pela primeira vez.
No dia em que as ciências em exame mais longo se faziam,
eu sem saber o grau das equações, que incógnitas havia
a resolver, era Verão e o sol do lado esquerdo,
à esquerda da imagem tripartida à minha frente,
teimando-me a ignorância,
nessa angústia menor de três da tarde,
sabia-te sentado atrás de mim, na carteira de trás,
à espera, atravessado de nervos e ternura.
Passei. E eu vejo ainda o teu sorriso,
o pó sem gravidade no olhar, e eu, quinze anos
a sentir-me grande, porque assim me parecia.
Uma galáxia à solta pelo corpo e o calor do sol
tão transparente.
No dia em que o meu corpo se atravessou de nova dor,
quase rasgado a meio, a luz do sol entrando
pela janela antiga, os tectos altos, brancos,
batas como escafandros,
nesse dia tão longo em que o sol caminhou até ao fim,
para do fim nascer, estiveste sempre lá.
Vejo-te ainda encostado à ombreira dessa porta alta,
a voz dos escafandros tentando sossegar-te,
e tu, a soluçar baixinho, retalhado entre amor
e alegria.
Na noite em que a lua te deixou,
em que deixaste de sentir a sua luz, o mais trémulo toque,
tudo o que assim nos faz: frágil, imensa, humana condição,
na noite dos fantasmas e escafandros cinzentos,
eu não estava contigo.
A que sabia a sopa que comemos?
Que escada de Jacob?
Ana Luísa Amaral, Entre dois rios e outras noites, Campo das Letras, 2007
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
gaivota
( relendo A Gaivota, de Anton Tchekov)
disparo palavras
eloquentes
sobre a gaivota,
de uma só rajada,
e ela devolve-me
o sangue cuspido
nos olhos
em pétalas rubras,
à hora em que o sol
se afoga
amareladamente
no horizonte do palco.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
crepúsculo
Aproximam-se os dias do silêncio
Pé ante péNuma folha que cai desprevenida
Numa gota de chuva que desliza no ombro.
A fadiga abateu-se sobre
O chão da cidade e as pessoas
Cederam à fúria do verbo:
Por isso a cortina se levanta
E não há actores em palco.
Na plateia os espectadores
Escutam o batimento
Do coração da terra.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
JanelaLivro 5
Didier Sévanne
Não sou de fechar janelas. Já as portas apenas abro em momentos solenes. Entrar e/ou sair não é coisa leviana, nem que se faça várias vezes ao dia, como se bebe um copo de leite fresco ou se come um naco de pão, mesmo que o diabo não o tenha amassado. Mas a janela deve manter-se aberta, sob pena de sufoco, ou de cegueira irreversível. Porque há sempre dois lados em cada viagem, em cada carro, em cada paisagem: o lado de fora e o lado de dentro. O lado do precipício e o lado do medo. O lado do predador e o lado da presa.
Não sou de fechar janelas porque estou sempre dos dois lados do Livro: o de quem escreve e o de quem lê. Sinto a pele a rasgar-se, a vertigem do funâmbulo, o zumbido do giz sobre a ardósia.
Entre a Janela e o Livro eu escolho abraçar os dois, ainda que me estilhacem os olhos.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
neste mundo...
Neste mundo em que vivemos
Custa a acreditar que as flores
Continuem a colorir
A alma de poetas e crianças.
domingo, 22 de agosto de 2010
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
com Django Reinhardt a minha homenagem aos ROMS, aos MANOUCHES
a minha vergonha, as minhas desculpas....
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
arte poética
consultei
dicionários e enciclopédias
gramáticas
tradicionais e generativas
passando pelas de texto
vasculhei
o google e a wikipédia
para poder escrever
à margem de qualquer
originalidade
a minha arte poética
defectiva:
escrevo porque morro.
sábado, 14 de agosto de 2010
natureza viva
provavelmente
o pintor esqueceu-se
da tela e dos pincéis e das tintas
provavelmente
o mar afugentou
a memória e as gaivotas e as velas
provavelmente
a câmara digital
foi vendida por um naco de pão
seguramente
estas palavras
estão rasuradas
de tanta inutilidade.
domingo, 8 de agosto de 2010
de mãos dadas com Pessanha
Quando pouso os pés no chão
dói-me o tarso, o metatarso
(o metatexto também)
(o metatexto também)
e as falanges todinhas, sinto os ossos
e os músculos longos e curtos
como se fossem agulhas
de aço, gelo doloroso.
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos.
Não é o chão que me dói,
são os pés.
Amanhã vou a uma grande superfície
Pedir ajuda a Hermes e levo comigo
Pessanha. Talvez eu consiga
Caminhar um pouco mais.
sábado, 31 de julho de 2010
morrer em veneza
Também Quero Morrer em Veneza. Quer dizer, devagar assim, tranquilamente e de Uma Vez tão . Apenas UM Último suspiro Que FICA suspenso . Nenhum silêncio solene Mais , Na Maior serena solidão , Uma brisa com do Atlântico, Sussurro UM OU do Douro uma Chamar -me Para a Foz .
Um copo de maduro tinto e hum verso de António Nobre Talvez UM Sejam Já Quase exagero barroco , sublinham Mas o essencial de mim Que Conduziu Nesta Vida . Podem Ficar Todos Felizes e Fazer Uma festa, Mas não me convidem , Por favor : eu Sozinha Partir Prefiro , Como QUANDO terra da nasci .
Não fiz Vou deixar Uma casa foi de Aprendizagem PORQUE O PERCURSO e Que Não Chegou Sequer Num parágrafo Ancorar Porto de Abrigo . Quem UM procurar Rasto Não vai abençoar uma cicatriz Mais Pequena Nem Tão Um pouco Esboço um lápis de qualquer retrato um.
Enquanto uma VEM Não Noite, Vou Sossego em Celebrar a Pessoas Que amei .
quinta-feira, 22 de julho de 2010
jardinagem
quero uma varanda
e uma alvorada
para limpar todos
os versos que escrevi
até hoje
dos artefactos caducos
e deixar apenas
uma imensidade
de folhas
de novo
brancas
sábado, 17 de julho de 2010
deste lado do azul
Deste lado do azul
Escrevo devagar com as
Migalhas que apanhei
Pelo caminho. porque
São migalhas e não pólenes
São lágrymas perdidas (em homenagem)
Ao vento do norte
Aquele muito frio
Que se chama nortada.
São grãos de areia
Atirados ao acaso
Do café na esplanada
Onde bebi um sumo
Enquanto esperava
Que me servissem o café.
Por isso escrevo devagar
Deste lado do azul
À procura do caminho
De volta para o verbo
Que seja substantivo.
Apenas isso.
domingo, 11 de julho de 2010
segunda-feira, 5 de julho de 2010
au hasard balthazar
Ginovski
desci os degraus
do anfiteatro
como se me dirigisse
a um oráculo
e espalhei sobre
o palco as cartas
do baralho.
quando me preparava
para tirar uma à sorte
fui empurrada
por uma vertigem
e decidi recolhê-las:
não quero saber nada antes do tempo.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
regresso a casa
Foto de MJQ
HÁ UM Caminho
tempo chamado
Que Não e Pará
Ser percorrido
Mas Ser n.
venerado .
HÁ UM poema
chamado amor
Que Não e Pará
Ser dito
Mas Ser n.
degustado .
HÁ Uma casa
Chamada Língua
Que Não e Pará
Ser Falada
Mas Ser n.
habitada .
e Há o horizonte
Que
ESTÁ
semper
Além .............
sábado, 19 de junho de 2010
In Memoriam (os meus mortos)
entrei na livraria
e o mundo ficou ainda mais pequenino,
tão pequeninas as gentes
que habitam fatalmente este
país pequenino.
tão pequeninas as palavras que
usamos. e inúteis. põem-se em bicos
de pés para atingirem metáforas
muito originais e catrapum no chão,
banalíssimas desde Camões
ou António Ferreira.
procuro os meus mortos
nas estantes de madeira
carcomida e estão corroídinhos
de invejas prosaicas,
daquelas muito atávicas
que nem o mar consegue
invadir. os livros estão encadernados
de fulanos, as manchas gráficas são
prefácios lambusentos,
o preço de capa
esconde-se atrás do código de barras
e a editora chancelou um qualquer
lobbie maçónico.
hoje, eu entrei numa livraria
e sentei-me num banco
para chorar descansadamente.
Explicação desnecessária: Não se trata de uma homenagem envergonhada a José Saramago, que aprecio há muitos anos e que tendo morrido em paz consigo, me merece o silêncio de reconhecimento.
domingo, 13 de junho de 2010
alteração climática
Sede e uma ramifica -se
Pela Página branca, como desabituadas Mãos
de esculpir o Corpo PERFIL DE UM .
Entre vacilo regar OS vasos
Também podem Que Morrer
e arrumar uma escrivaninha
Até Que uma chuva
volte um fustigar -me
Olhos OS.
Talvez
Amanhã -
domingo, 6 de junho de 2010
elogio da tranquila idade
Não se Fosse uma tranquilidade
secular do verde ,
estrondosos ruíam
OS alicerces de qualquer amor .
São OS Estranhos círculos
Que Não vislumbram
uma quadratura .
uma poesia Perfeita
Está no Sossego
da morte .
terça-feira, 1 de junho de 2010
JanelaLivro - 4
Desirée Dolron
Só me resta voltar à JanelaLivro , esgotados Que São OS Sonhos de Uma Vida sibilina .
Uma Janela Margens Tem que Não, Nem capa e Contracapa . Texto sem palimpsesto . Lágrima sem dor . Livro sem horizonte . Uma imagem Que não se estampa no verso -do Meu Corpo e um de Uma Eva nascer POR, Completamente nua , enquanto sobe como Escadas e declama versos soltos da literatura universal, Tentando seduzir - me com Rumores Líquidos Como se eu Fosse Ainda Deste Mundo.
Mas dinamitei o Diálogo . A imagem do Outro para la da Minha Pele. Como Vozes Que podiam salvar -me . Caminho desnorteada Por esse Cabo do Mundo e duvido metodicamente da Minha Existência com uma convicção MESMA Tem que como ondas AO desfazerem -se na Areia .
Criatura abortada , contemporânea do olhar Último de Ulisses, transpiro Secura Por poros Todos os, sorrio de Longe AO Adamastor e Mergulho deserto Nunca nenhum sem saber o Que É o NEVOEIRO .
Desassossego : Nome e verbo .
Criadora de estatuetas de terracota, com como Quem Escondidas brinco , ilumino como SUAS VIDAS Selvagens com Gritos , sem qualquer sombra de Pecado Chinês . Desconheço se Virei um sabre O destino de Antígona PORQUE desesperei de Assistir AO FIM da tragédia , incomodada com o Vizinho do lado , defensor acérrimo da comédia de costumes .
Rio : nome e verbo .
Encosto -me à Janela e olho Através do Livro : Ninguém mora Não faça lado de lá . Apenas os Mortos troçam da Minha USAR insistência em palavras como . E Apontam -me uma saida .
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